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O CAVALO E A FORMIGA
Duque Fórum :: Biblioteca :: * Livros :: Biblioteca virtual :: Contos
Página 1 de 1
O CAVALO E A FORMIGA
O cavalo e a formiga não se davam. Nem se
conheciam.
A formiga na sua vida, sempre enfiada no carreiro para
cá e para lá, à cata de provisões para abastecer a despensa,
não prestava atenção ao que se passava muito acima dela,
lá no mundo dos bichos grandes.
Por sua vez, o cavalo, que tinha sido treinado a saltar
obstáculos, sempre ocupado nos seus exercícios
desportivos, não fazia a mínima ideia de que existissem
formigas.
Mas os dois iam encontrar-se por artes mágicas, as artes
mágicas de que se fazem as histórias. Chama-se
imaginação e garanto que não custa nada. Experimentem.
Por onde havemos de começar? Pela formiga
trabalhadeira ou pelo cavalo desportista?
Tanto faz. O certo é que a vida deles vai cruzar-se, em
circunstâncias assaz estranhas, desagradáveis, direi mesmo
trágicas. Mas não nos precipitemos nem tão-pouco
inquietemos quem nos está a acompanhar.
Um cavalo de um lado. Uma formiga de outro. Fazê-los
coincidir na mesma história é como desenhar um laçarote
com duas fitas, vindas de dois pontos extremos e
simétricos. Espero que não me trema a mão no desenho
nem me embarace na laçada.
Tudo isto são rodeios de quem lhe custa a avançar. Mas
tem de ser.
O cavalo ia participar num concurso hípico,
acontecimento de responsabilidade, com muito público a
assistir.
A formiga corria pelo meio das ervas, de patinhas
nervosas e antenas agitadas, sem que ninguém a visse.
Era a vez de o cavalo concorrer. Saltou um obstáculo,
saltou dois e com tal desenvoltura e elegância que ouviu
aplausos. O cavaleiro que montava o cavalo julgou que
eram para ele, mas quem os merecia mais era o cavalo.
Nisto levanta-se um ventinho rente ao chão que
rodopiou, depois, no ar, soprado não se sabe de onde.
Quando convém, chama-se o vento e ele vem dar força às
histórias que a gente não sabe como há-de continuar...
Com o ventinho soltaram-se grãos de pó e areia. Até a
formiga, apanhada no remoinho voou, assarapantada, pelos
ares fora.
– Ai que me vou desta – exclamou a pobrezinha.
Não foi!
A viagem nas ondas do vento durou um instante, mas
para o coração da formiga foi um sufoco. Logo poisou e se
agarrou a uma superfície lisa, escorregadia, húmida.
Na tribuna do público soltou-se um longo: "Ahhhh!"– de
desalento.
À beira do novo obstáculo o cavalo recusava-se a saltar.
Bem o fustigava nos flancos o cavaleiro. O cavalo fazia
que sim com a cabeça, mas fazia que não com o corpo e
espumava, espumava de desespero.
Não menos desesperada estava a formiga, aquilo a que
ela se agarrara movia-se, resvalava, fugia-lhe e ela não se
tinha em pé...
Entretanto o cavalo esporeado pelo cavaleiro tenta no
último esforço vencer o obstáculo, mas as patas traseiras
não sobem o suficiente e o cavalo tropeça, cai, arrastando
na queda quem o montava.
Levanta-se em peso o público na tribuna: "Ficou ferido?
Magoado?" – claro que se referem ao cavaleiro.
Vá lá que não houve desgraça! Um entorse para o
cavaleiro, que sai do campo coxeando enquanto puxa as
rédeas do cavalo, também combalido, como se
compreende.
A superfície trémula, viscosa, deslizante, a que a formiga
se segurara, começou a brotar água, como se ela
estivesse em cima de uma nascente, mas uma nascente de
água salgada.
– Ai que me afogo – gritou a pobrezinha.
Quem a ouvia? Quem acode ao grito de uma formiga?
Quem ouve o sobressaltado coração de uma formiga em
perigo?
Só nas histórias conseguimos. Nesta, por exemplo. E
condoemo-nos. E vamos salvá-la.
Humilhado com aquele fracasso, provocado por uma
impressão que sentira num dos olhos, o cavalo regressou à
cavalariça.
Que não desanime. Vai ter mais oportunidades, ganhar
concursos, receber taças que o cavaleiro arrecadará para a
sua colecção. O mais justo era que as dividisse com o
cavalo. Mas, adiante.
Naquela ocasião o cavalo sentia-se deprimido. E chorou
uma lágrima. Uma, duas, três que bem as contei. Numa
delas escorregou a formiga, a nadar de bruços no meio da
água salgada, até chegar a terra, isto é, ao chão da
cavalariça. Sacudiu-se do molhado e lá foi à sua vida de
trabalhadora incansável. Nunca ela perceberia o que lhe
tinha acontecido. Nem ela nem o cavalo.
Só nós é que sabemos a história toda.
FIM
conheciam.
A formiga na sua vida, sempre enfiada no carreiro para
cá e para lá, à cata de provisões para abastecer a despensa,
não prestava atenção ao que se passava muito acima dela,
lá no mundo dos bichos grandes.
Por sua vez, o cavalo, que tinha sido treinado a saltar
obstáculos, sempre ocupado nos seus exercícios
desportivos, não fazia a mínima ideia de que existissem
formigas.
Mas os dois iam encontrar-se por artes mágicas, as artes
mágicas de que se fazem as histórias. Chama-se
imaginação e garanto que não custa nada. Experimentem.
Por onde havemos de começar? Pela formiga
trabalhadeira ou pelo cavalo desportista?
Tanto faz. O certo é que a vida deles vai cruzar-se, em
circunstâncias assaz estranhas, desagradáveis, direi mesmo
trágicas. Mas não nos precipitemos nem tão-pouco
inquietemos quem nos está a acompanhar.
Um cavalo de um lado. Uma formiga de outro. Fazê-los
coincidir na mesma história é como desenhar um laçarote
com duas fitas, vindas de dois pontos extremos e
simétricos. Espero que não me trema a mão no desenho
nem me embarace na laçada.
Tudo isto são rodeios de quem lhe custa a avançar. Mas
tem de ser.
O cavalo ia participar num concurso hípico,
acontecimento de responsabilidade, com muito público a
assistir.
A formiga corria pelo meio das ervas, de patinhas
nervosas e antenas agitadas, sem que ninguém a visse.
Era a vez de o cavalo concorrer. Saltou um obstáculo,
saltou dois e com tal desenvoltura e elegância que ouviu
aplausos. O cavaleiro que montava o cavalo julgou que
eram para ele, mas quem os merecia mais era o cavalo.
Nisto levanta-se um ventinho rente ao chão que
rodopiou, depois, no ar, soprado não se sabe de onde.
Quando convém, chama-se o vento e ele vem dar força às
histórias que a gente não sabe como há-de continuar...
Com o ventinho soltaram-se grãos de pó e areia. Até a
formiga, apanhada no remoinho voou, assarapantada, pelos
ares fora.
– Ai que me vou desta – exclamou a pobrezinha.
Não foi!
A viagem nas ondas do vento durou um instante, mas
para o coração da formiga foi um sufoco. Logo poisou e se
agarrou a uma superfície lisa, escorregadia, húmida.
Na tribuna do público soltou-se um longo: "Ahhhh!"– de
desalento.
À beira do novo obstáculo o cavalo recusava-se a saltar.
Bem o fustigava nos flancos o cavaleiro. O cavalo fazia
que sim com a cabeça, mas fazia que não com o corpo e
espumava, espumava de desespero.
Não menos desesperada estava a formiga, aquilo a que
ela se agarrara movia-se, resvalava, fugia-lhe e ela não se
tinha em pé...
Entretanto o cavalo esporeado pelo cavaleiro tenta no
último esforço vencer o obstáculo, mas as patas traseiras
não sobem o suficiente e o cavalo tropeça, cai, arrastando
na queda quem o montava.
Levanta-se em peso o público na tribuna: "Ficou ferido?
Magoado?" – claro que se referem ao cavaleiro.
Vá lá que não houve desgraça! Um entorse para o
cavaleiro, que sai do campo coxeando enquanto puxa as
rédeas do cavalo, também combalido, como se
compreende.
A superfície trémula, viscosa, deslizante, a que a formiga
se segurara, começou a brotar água, como se ela
estivesse em cima de uma nascente, mas uma nascente de
água salgada.
– Ai que me afogo – gritou a pobrezinha.
Quem a ouvia? Quem acode ao grito de uma formiga?
Quem ouve o sobressaltado coração de uma formiga em
perigo?
Só nas histórias conseguimos. Nesta, por exemplo. E
condoemo-nos. E vamos salvá-la.
Humilhado com aquele fracasso, provocado por uma
impressão que sentira num dos olhos, o cavalo regressou à
cavalariça.
Que não desanime. Vai ter mais oportunidades, ganhar
concursos, receber taças que o cavaleiro arrecadará para a
sua colecção. O mais justo era que as dividisse com o
cavalo. Mas, adiante.
Naquela ocasião o cavalo sentia-se deprimido. E chorou
uma lágrima. Uma, duas, três que bem as contei. Numa
delas escorregou a formiga, a nadar de bruços no meio da
água salgada, até chegar a terra, isto é, ao chão da
cavalariça. Sacudiu-se do molhado e lá foi à sua vida de
trabalhadora incansável. Nunca ela perceberia o que lhe
tinha acontecido. Nem ela nem o cavalo.
Só nós é que sabemos a história toda.
FIM
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